Vocação e chamado

O discernimento da vocação sacerdotal
Deus chama, a Igreja deve discernir.
O sacerdócio é um dom livre que vem de Deus, portanto, ninguém pode determinar a quem Ele deve chamar e a quem não. Como princípio, as portas do seminário estão abertas a todos os que se sentem chamados. Não há discriminação ou seleção infundada.
Mas o sacerdócio é um ministério eclesial e, como tal, algo que a Igreja deve “ligar ou desligar” (Mt 18, 18). Não necessariamente todos os que batem à porta do seminário têm uma verdadeira vocação. É imprescindível um trabalho de discernimento.
No fundo, todo o período de formação, especialmente no início, é um período de discernimento, tanto dos responsáveis pela formação, como do próprio candidato, é importante que seja bem analisada a possibilidade de que exista vocação no momento de admitir um jovem em um centro formativo.
Importante, antes de tudo, para o próprio candidato. O respeito que qualquer jovem merece exige que ele seja convidado ou admitido ao seminário somente se houver indícios claros de que esse é o caminho de sua vida. Seria injusto admiti-lo sem critérios para logo ter de dizer-lhe que esse não é seu lugar, com os traumas, atrasos em sua carreira, etc., que esta experiência poderia acarretar.
Importante também para os demais candidatos. Um seminarista que se sente desorientado, que não se identifica com a vocação sacerdotal, pode ser um elemento negativo no seminário. Se forem numerosos os candidatos inseguros, reticentes ou sem as devidas qualidades, será difícil conseguir o ambiente formativo.
Discernimento, portanto, sério e atento. Também quando se tem a impressão de que as vocações são escassas. O que é preciso então é encontrar jovens com verdadeira vocação, não jovens que comecem, sem ela, um caminho que não deveriam iniciar. Não se trata simplesmente de preencher vagas em uma instituição humana, mas de acolher aqueles que são chamados pelo Senhor. A pergunta de fundo, portanto, será sempre: este jovem terá sido verdadeiramente escolhido por Deus?

Critérios para um correto discernimento vocacional
A resposta a essa pergunta tem somente o “dono da messe”. Não existem sistemas para detectar infalivelmente a presença de uma vocação sacerdotal, por isso, o primeiro dever de quem tem a delicada responsabilidade de admitir os candidatos é rezar. Pedir com humildade a luz do Espírito divino para que ilumine sua mente e a mente do jovem que deseja ingressar ao seminário.
No entanto, pode-se contar com alguns critérios que ajudarão a descobrir a vontade de Deus, na medida em que isto for possível. Em cada circunstância diversa, segundo os tempos e lugares, será preciso considerar certos fatores concretos e específicos, mas pode-se também falar de alguns critérios gerais que se derivam da própria natureza da vocação e da missão sacerdotal, além das exigências da formação necessária para essa vocação e missão.
Podemos agrupá-los em relação a dois critérios globais que estão intimamente relacionados: o julgamento sobre a idoneidade do candidato, e o julgamento sobre a existência real do chamado divino.

Discernimento da idoneidade do candidato
• Conhecimento do candidato
Portanto, a primeira coisa é conhecer bem a índole do jovem que pede para entrar ao seminário. Isso significa que a pessoa encarregada pela admissão deve falar com ele calmamente e, se for possível, várias vezes. Muito ajuda também o conhecimento de sua família e de seu ambiente social, às vezes, podem ser sumamente reveladores. Conhecer o candidato é conhecer também sua história: a educação recebida, trajetória espiritual e humana, alguns eventos ou situações que possam condicionar seu futuro, etc.
A psicologia pode, da mesma forma, dar uma ajuda neste campo. Não parece exagerado considerar que, sempre que for possível, se deveria fazer um bom exame psicológico antes de decidir definitivamente uma admissão. Um exame sério e científico, realizado e interpretado por um psicólogo que – além de sua competência profissional – demonstre conhecimento e estima da vocação sacerdotal. Se o psicólogo for sacerdote, melhor ainda. Em alguns casos especialmente duvidosos ou difíceis, poderia ser aconselhável também uma entrevista pessoal com um psicólogo que reúna as condições que acabamos de mencionar.
Tudo isso indica que a admissão de um aspirante não pode ser precipitada, exige-se um tempo suficiente para conhecê-lo e, inclusive, para que ele mesmo se conheça melhor em relação ao passo que pensa dar. Às vezes, esse tempo se prolonga ao longo de todo o período do seminário menor; outras consistem em um processo de amadurecimento da idéia vocacional com a direção de algum sacerdote conhecido, ou ainda freqüentando o próprio seminário. Em alguns lugares, são realizados cursilhos vocacionais, úteis também para esta necessária etapa de discernimento.

• Saúde física e mental
A idoneidade para o sacerdócio compreende diversos aspectos da pessoa. Antes de tudo, se requer uma saúde física suficiente para poder levar as exigências da vida de formação no seminário e colaborar depois, como operário diligente, na vinha do Senhor. Poderia haver algumas exceções em alguns casos determinados, mas deveriam ser realmente exceções, e serem motivadas por razões importantes.
Mais difícil de avaliar, mas não menos decisiva, é a idoneidade psicológica. Não é o momento de nos deter para comentar os diversos aspectos implicados neste campo, mas basta recordar que é preciso contar com uma psicologia sã para que se possa pensar na existência da vocação. O sacerdote é chamado a orientar e guiar às outras pessoas. Poderia ser aplicada aqui, estendendo um pouco o sentido, a pergunta de Paulo em sua primeira carta a Timóteo: «Pois quem não sabe governar a sua própria casa, como terá cuidado da Igreja de Deus?» (1Tm 3, 5).
Podem surgir casos de pessoas com uma psicologia que, dentro da normalidade, dá indícios de ser débil, complicada ou instável. O responsável pela admissão ao seminário não sempre poderá discernir, de um momento para outro, se existe ou não idoneidade. Prudência, sensatez, experiência e talvez um pouco de tempo darão a melhor resposta.
Resulta mais fácil discernir quando se trata de casos que se aproximam ou entram no âmbito da patologia. Estando diante de um caso de psicose, a decisão é clara: não há cura possível; é inútil enganar-se ou enganar o jovem. Havendo somente sintomas de algum tipo de neurose, se teria que analisar muito bem o caso para chegar a uma conclusão conveniente. De qualquer modo, neste campo não se pode proceder superficialmente porque as conseqüências poderiam ser graves. Se existirem dúvidas sobre a admissão, será preciso contar com a colaboração de especialistas.

• Algumas virtudes fundamentais
Seria absurdo pretender que quem ingressar ao seminário possua as virtudes e qualidades do sacerdote ideal. Se fosse assim, já não seria útil o período do seminário. No entanto, é fundamental que o candidato possua uma base humana e cristã suficientes para que seja possível construir, sobre este alicerce, o edifício da formação sacerdotal. O principal, portanto, não é que o candidato já possua as virtudes do bom sacerdote, mas que tenha a capacidade de adquiri-las.
Por outro lado, existe uma série de virtudes e qualidades que são necessárias para que o jovem candidato possa segui-las com proveito até chegar à ordenação.
Pensemos, por exemplo, na sinceridade. Uma pessoa de duas caras e insincera dificilmente poderá amadurecer adequadamente, se submeterá – talvez – a algumas normas externas enquanto não o estiverem vendo, mas nunca viverá o imprescindível processo de auto-formação. Da mesma forma, é fundamental a capacidade de viver comunitariamente e de colaborar com as outras pessoas. Se um jovem, por seu temperamento ou sua educação, for radicalmente incapaz de conviver, compartilhar, dialogar, colaborar é difícil pensar que conseguirá se formar devidamente em um ambiente que é comunitário e que, futuramente, como sacerdote, saberá ser aberto aos demais para servi-los durante o exercício de seu ministério.
É conveniente também que exista um fundamento sobre o qual construir a identidade espiritual do candidato. Ele precisa de, pelo menos, um mínimo de conhecimento e vivência da fé, além da capacidade de viver com coerência a vida da graça: o sacerdote é o homem de Deus, o ministro que aproxima os homens da vida divina e a restitui com o perdão quando eles a perdem. Se um jovem se apresentar com costumes de pecado tão arraigados que parecerem realmente insuperáveis, se terá de pensar seriamente antes de deixá-lo prosseguir. Não se deve desconfiar da potência divina, mas também não devemos tentar a Deus.
• Capacidade intelectual 


 
É preciso também analisar a capacidade intelectual do aspirante. Chamado a ser professor e guia, ele terá que se preparar profundamente em campos que exigem uma dedicação acadêmica séria, como a filosofia e a teologia. A história da Igreja nos revela casos eloqüentes de sacerdotes santos, porém com escassos dotes intelectuais. No entanto, não se deve menosprezar este requisito. Seria injusto admitir um jovem que pudesse depois se sentir frustrado diante das dificuldades dos estudos sacerdotais, ou que tivesse de deixar o seminário por não ter a suficiente capacidade para completar os estudos.
Quanto à formação acadêmica prévia, normalmente é preciso procurar que o aspirante ao seminário maior esteja dotado da formação humanística e científica com a qual os jovens de sua própria região se preparam para realizar os estudos superiores[2].
 
Um último parâmetro exigido para medir a idoneidade do aspirante será a atenção aos impedimentos perpétuos ou simples que o direito canônico estabelece para ter acesso às ordens[3]. Seria inútil e irresponsável admitir ao seminário alguém que não poderá chegar à meta deste caminho.
 
A presença das qualidades exigidas para o sacerdócio é necessária, mas não suficiente. Não basta constatar que um jovem tem as qualidades e condições necessárias para admiti-lo ao seminário. É preciso ver se realmente existe uma “vocação”, porque aqui o termo “vocação” não se refere a uma tendência humana a uma ou outra ocupação profissional. Aqui o sentido da palavra é estrito: trata-se de um chamado divino, histórico e pessoal.
No entanto, se é difícil discernir a idoneidade objetiva do candidato ao sacerdócio, muito mais será compreender se existe ou não o chamado divino. Ali se trata do mistério do homem, aqui estamos diante do mistério de Deus.
 
O primeiro a levar em conta é a motivação que induz o jovem a fazer sua petição, para poder compreender se está fazendo assim porque considera que foi chamado, ou por alguma outra razão.
É preciso que seu gesto seja completamente consciente e livre. A existência de um condicionamento sério, externo ou interno, deve levar à cautela. Se faltasse liberdade, seria preciso evitar que desse esse passo.
Deve-se constatar, portanto, que o aspirante saiba bem, na medida do possível, o que significa e envolve a vocação e a vida sacerdotal. Comprovar que não está pedindo para entrar ao seminário levado por alguma pressão – por exemplo, de um familiar – ou por causa de uma frustração ou desengano amoroso, ou ainda movido pelo medo do mundo e das lutas que implica enfrentá-lo.
Não somente: existem casos – atualmente muito menos, mas existem – de jovens que pedem para entrar ao seminário para fazer carreira. É preciso estar atentos, de modo particular, quando os pais de um rapaz estão empenhados em que seu filho ingresse ao seminário menor: poderia se tratar somente de uma tentativa de fazê-lo estudar em um centro bom e econômico.
Permiti-lo seria desvirtuar o sentido do seminário e diminuir sua eficácia formativa em relação aos que lá estão pensando no sacerdócio; talvez também seria prejudicar o próprio jovem, que se sentiria forçado a viver em uma situação de engano e em um ambiente com o qual não se identificaria.
 
• A voz de Deus
Vamos supor que o jovem vem com a reta intenção de ser sacerdote porque crê que Deus o chama. Um primeiro conselho indispensável é sugerir que ele intensifique sua vida de oração, para depois analisar juntos seus desejos e motivações. Servirá para detectar possíveis fenômenos de auto-sugestão, pressão ambiental, etc., servirá também para ajudar o futuro seminarista a aprofundar sua experiência de escutar a voz de Deus. Uma experiência que poderá ser definitiva para o resto de sua vida de seminarista e de sacerdote. Às vezes, Deus se faz ouvir no interior da pessoa, de modo íntimo e direto.
Outras vezes, Deus fala, sobretudo através de circunstâncias, marcantes ou aparentemente insignificantes. Em certas ocasiões, Sua voz ressoa vigorosa e insistente no coração do jovem; outras vezes (a maioria) é como uma brisa suave, quase imperceptível (cf. 1Rs 19, 12b). A uns o Espírito lhes faz experimentar o amor de Cristo que merece tudo, a outros os ajuda a ver lucidamente que a messe é grande e os operários são poucos; a outros, os convida a simplesmente seguir a vocação para a qual foram criados. Uns jovens vêm entusiasmados com sua vocação, outros gostariam de se rebelar contra a vontade divina, mas não podem ir contra o Onipotente. Existem aqueles que vêem tudo com uma claridade diáfana, e outros que somente suspeitam que podem ter sido chamados...
Neste campo, não há que procurar certezas absolutas, nem pedir evidências. Basta uma faísca, basta essa suspeita, para poder e ter que dizer: “Vejamos”. Na verdade, toda a etapa de formação, sobretudo os momentos iniciais, é um período de discernimento vocacional. Se Deus não chama, mas permite que a generosidade de um jovem o leve a empreender esse caminho, por algum motivo será... Nunca será um erro, aos olhos de Deus, o desejo e a decisão de um jovem de dar-Lhe tudo!
 
[2] CIC 234 § 2; cf. RFIS 16.
[3] Cf. CIC 1040-1403.
 
[1] Cf. Marcial Maciel, La formación integral del sacerdote, p. 234-241.• Reta motivaçãoDiscernimento da existência do chamado• Ausência de impedimentos canônicos